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Amor líquido

novembro 11, 2009

O amor parece desfrutar de um status diferente do de outros acontecimentos únicos.

De fato, é possível que alguém se apaixone mais de uma vez, e algumas pessoas se gabam – ou se queixam – de que apaixonar-se e “desapaixonar-se” é algo que lhes acontece (assim como a outras pessoas que vêm a conhecer nesse processo) de modo muito fácil. Todos nós já ouvimos historias sobre pessoas particularmente “propensas” ou “veneráveis” ao amor.

Há bases bastante sólidas para ver o amor, e em particular a condição de “apaixonado”, como – quase que por sua própria natureza – uma condição recorrente, passível de repetição, que inclusive nos convida a seguidas tentativas. Pressionados, a maioria de nós poderia enumerar momentos em que nos sentimos apaixonados e de fato estávamos. Pode-se supor (mas será uma suposição fundamentada) que em nossa época cresce rapidamente o numero de pessoas que tendem a chamar de amor mais de uma de suas experiências de vida, que não garantiriam que o amor que atualmente vivenciam é o último e que têm a expectativa de viver outras experiências como essa no futuro. Não devemos nos surpreender se essa suposição se mostra correta. Afinal, a definição romântica do amor como “até que a morte nos separe” está decididamente fora de moda, tendo deixado para trás seu tempo de vida útil em função da radical alteração das estruturas de parentesco às quais costumava servir e de onde extraía seu vigor e sua valorização. Mas o desaparecimento dessa noção significa, inevitavelmente, a facilitação dos testes pelos quais uma experiência deve passar para ser chamada de “amor”. Em vez de haver mais pessoas atingindo mais vezes os elevados padrões do amor, esses padrões foram baixados. Como resultado, o conjunto de experiências às quais nos referimos com a palavra amor expandiu-se muito. Noites avulsas de sexo são referidas pelo codinome de “fazer amor”.

BAUMAN, Zigmunt. Amor Líquido: sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro. Jorge Zahar: 2004